Foto: Senado Federal
Um estudo recente publicado nos Cadernos Brasileiros de Saúde Mental levanta questões sobre a falta de dados confiáveis relacionados aos transtornos mentais na população rural brasileira. A pesquisa, realizada ao longo de 2002 a 2019, revela a dificuldade em obter informações coesas e confiáveis sobre a saúde mental dos trabalhadores rurais no país.Ele foi conduzido pelos pesquisadores Cláudia Farias Pezzini e Raimundo Nonato Cunha de Franca.
A primeira etapa do estudo analisou a diversidade de termos utilizados para definir a população rural pesquisada. Os resultados mostraram uma ampla gama de categorias, incluindo assentamentos, agricultura familiar, residentes rurais, mulheres do campo, crianças e adolescentes, entre outros. Esta variedade de termos dificulta a análise consistente e a compreensão abrangente dos transtornos mentais na população rural.
Na segunda etapa, foram tabulados os principais transtornos mentais a partir de 81 pesquisas identificadas. Entre os transtornos mais prevalentes estavam o Transtorno Mental Comum (TMC), transtorno mental não especificado, dependência química, depressão e suicídio, violências e abuso sexual. O estudo revelou que esses transtornos frequentemente aparecem juntos nas pesquisas, refletindo a complexidade do tema.
Um aspecto alarmante destacado pelo estudo foi a disparidade entre os dados obtidos nas pesquisas científicas e as notícias veiculadas na mídia. Enquanto as pesquisas científicas indicam a existência de transtornos mentais na população rural, as notícias divulgadas na mídia apontam uma quantidade maior e mais grave de casos. Esta discrepância sugere um desinteresse ou dificuldade por parte dos pesquisadores em investigar o sofrimento mental no meio rural, em contraste com a atenção da mídia para o problema.
Além disso, o estudo destaca a falta de políticas públicas eficazes e campanhas de conscientização na esfera da saúde mental rural. A ausência de articulação e cooperação intersetorial, incluindo justiça, segurança pública, trabalho e educação, agrava a situação, deixando os trabalhadores rurais desassistidos em termos de saúde mental.
Apesar de suas limitações, o estudo contribui significativamente para a discussão sobre a saúde mental na população rural brasileira. Ele chama a atenção para a necessidade urgente de políticas públicas mais eficazes, coleta de dados confiáveis e programas de conscientização para abordar os transtornos mentais no meio rural. Enquanto isso, o sofrimento mental persiste, muitas vezes silenciado, em uma parte significativa da população brasileira, exigindo uma resposta mais abrangente e eficaz por parte das autoridades e da sociedade.
“A conclusão permite afirmar que o sofrimento mental existe no contexto da ruralidade, é conhecido e divulgado, mas enquanto demanda de Saúde Pública está invisível, não entrando na agenda política de forma integral e territorial”, diz o estudo.
Falta de acesso
De acordo com a Entre Solos, o Relatório Mundial de Saúde Mental: transformando a saúde mental para todos publicado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2022 indicou que a população rural apresenta sérias dificuldades de acesso a tratamentos e recursos para cuidar da saúde mental quando comparado a quem está nas cidades e centros urbanos. Essa constatação vem de um levantamento da OMS apresentado no relatório apontando que em 2019, 67% dos países do mundo gastaram menos de 20% do orçamento que havia sido destinado à saúde mental para serviços voltados à população. As comunidades que vivem mais afastadas das cidades, como a população rural, indígenas e ribeirinhos, estão ainda mais distantes desse tipo de atendimento médico. [
O estudo também relatou a falta de investimentos em equipamentos, instalações, materiais de trabalho e equipe médica. Além disso, a ausência de infraestrutura para transporte, o que facilitaria o acesso da população que está distante dos postos de saúde, é um grande desafio a ser enfrentado. Outra constatação importante apresentada no relatório é quanto à distribuição de força de trabalho especializada (psicólogos e psiquiatras), que acabam se concentrando majoritariamente nas cidades e grandes instituições. Essa falta e desequilíbrio de pessoal treinado é uma enorme barreira ao atendimento e coloca os serviços fora do alcance das pessoas do campo, que muitas vezes não podem ou optam por não utilizá-los devido aos custos, tempo e sistemas de transporte serem pouco confiáveis.