Seca no Norte leva a perda de lavouras, e calor mata milhares de peixes

Peixes morrem nos viveiros, rios e poços para irrigação estão secando e frutos não se desenvolvem mais: essas são algumas das consequências sentidas no campo da Região Norte do país, que enfrenta neste ano a pior seca desde 1980.

 

Os estados atingidos são Amazonas, Pará, Acre e Amapá. No Nordeste, Maranhão, Piauí, Bahia e Sergipe também têm prejuízos.

 

Além da queda de produção, agricultores relatam dificuldade para escoar o que dá para colher, devido à baixa dos rios e a obstáculos na estrada, como queda de ponte, diz Jorge Luiz do Santos, presidente da Associação de Produtores Orgânicos Renascer do Careira da Várzea, no Amazonas.

 

Sem a produção esperada para a venda, os agricultores e criadores já temem a falta de renda.

 

“A seca foi tão grande que até boto morreu. Nós até podemos ter uma cheia grande, mas ainda vamos enfrentar dificuldade, porque o tanto de peixe que morreu na seca nós não vamos suprir. Os lagos que suprem a população na época de inverno não vamos ter mais”, afirma Santos.

 

A estiagem recorde tem deixado diversos rios estratégicos para a região com vazões (volumes) abaixo da média histórica. Trechos de rios importantes, como o Negro e o Solimões, formadores do rio Amazonas, estão sendo afetados.

 

“Então, a situação está triste. A gente sorri para não chorar. E também não podemos jogar a toalha, a gente tem que ir para luta. A gente vai lutar até o final. Iniciamos o plantio novamente, plantamos a nossa verdura”, completa o agricultor.

 

30 mil abacaxis perdidos

 

De 80 agricultores da Associação dos Produtores Rurais de Autaz Mirim (Aspram), no Amazonas, apenas 4 conseguiram irrigar as suas plantações depois que rios e poços secaram. Um produtor perdeu cerca de 15 mil pés de mamão.

 

“O sol cozinhou as plantas e não prestam mais para consumo”, explica Maycon Martins, presidente da Aspram.

 

Ele relata que as perdas começaram faz 2 meses e que os animais também sofrem. O gado morre atolado tentando chegar às margens dos rios, mas não consegue.

 

Isso acontece porque, conforme o rio vai secando, algumas partes ainda ficam úmidas, causando a lama, e nem todos os animais estão acompanhados de um cuidador, aponta João Alacy, técnico do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar).

 

No Pará, o produtor José da Silva, de Mojuí dos Campos, perdeu 30 mil abacaxis, que não cresceram por causa da falta de água. Os poucos pés que se desenvolvem competem com os animais que recorrem à fruta para ter algo para beber.

 

3 mil peixes mortos em um só criadouro

 

Nem dentro da água dá para escapar: os peixes estão morrendo por causa da temperatura nos viveiros em Macapá, no Amapá, relata João Alacy, que também é engenheiro de pesca.

 

A temperatura ideal para as espécies criadas no estado, que são o tambaqui, o pirapitinga e os híbridos – subespécies resultadas de cruzamentos de outras espécies -, é entre 26°C e 30°C, mas tem chegado aos 35°C.

 

Apenas em um dos criadores que Alacy atende mais de 3 mil peixes morreram e nenhum pode ser aproveitado para a comercialização, já que os sobreviventes não atingiram o peso exigido pelo mercado.

 

Além disso, o esvaziamento dos poços impede que os piscicultores troquem a água dos viveiros para receberem novos peixes. A medida é essencial para que eles tenham um ambiente de qualidade e limpo. Sem isso, o trabalho fica parado.

 

E ainda tem queimada

 

Além da seca, os produtores também têm sofrido com as queimadas. Na associação de Careira da Várzea, alguns produtores chegaram a perder tudo.

 

“Só escapou a casa. Plantação, sítio, abacaxi, macaxeira, açaí, laranja, banana, tudo o que estava plantado se acabou”, relata Santos.

Em Autaz Mirim, rebanhos tiveram que ser retirados às pressas do campo para fugir do fogo.

 

As temperaturas acima da média somadas às chuvas abaixo do esperado aumentam o risco de queimada na região, aponta Cunha.

 

Há ainda o agravante do fogo que é colocado por pessoas e se espalha entre as produções.

 

Seca vai continuar

 

Esse quadro extremo é causado pela junção das altas temperaturas com a falta de chuva na Região Norte que, apesar de normalmente ter períodos de seca, ela está pior do que o normal, informa a pesquisadora Ana Paula Cunha.

 

Ela é especialista em secas e agrometeorologia do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden).

 

A estiagem recorde está relacionada à combinação de dois fatores que inibem a formação de nuvens e chuvas: o fenômeno El Niño (que é o aquecimento do Oceano Pacífico) e a distribuição de calor do Oceano Atlântico Norte.

 

Existe 95% de probabilidade de um El Nino moderado durar até março de 2024, aponta a National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA).

 

“E, se as temperaturas continuarem elevadas no Atlântico Norte, a situação irá piorar, especialmente até ao início do próximo ano”, pontua a especialista do Cemaden.

 

“Quanto mais tempo durar a seca, mais intensos serão os impactos em cascata da seca”, afirma. Cunha acredita que levará tempo para que os rios que estão em níveis mínimos retomem os valores normais.

 

Além disso, é esperado um aumento das queimadas e que o setor da agricultura familiar seja bastante impactado, principalmente, entre o final do ano e o início de 2024, seguindo o Calendário Agrícola da região, diz.

 

Fonte: G1

Imagem: Karla Mendes

Fonte: Tocantins Rural