Duas cultivares da Embrapa são resistentes à mais grave doença mundial das bananeiras

Pesquisa na Colômbia confirmou a resistência das cultivares BRS Princesa e da BRS Platina à raça 4 Tropical (R4T). Doença atinge Ásia, África, Oceania, já chegou na Colômbia, Peru e Venezuela, e ameaça a segurança alimentar mundial. As cultivares são fundamentais para a proteção da produção brasileira de bananas. Parceria internacional com AgroSavia permitiu testes de campo em áreas contaminadas na Colômbia. Produtores veem as variedades como alívio diante do risco de prejuízos bilionários. O Brasil é o único país das Américas preparado para enfrentar a forma mais grave da murcha de Fusarium, a raça 4 tropical (R4T). A confirmação veio de pesquisa da Embrapa realizada na Colômbia que comprovou a resistência das cultivares BRS Princesa e BRS Platina a esse patógeno. A descoberta abre caminho para o uso dessas variedades como barreiras naturais contra a disseminação da doença em escala global. Endêmica em todas as regiões produtoras de banana, a murcha de Fusarium provoca prejuízos bilionários, ao contaminar colheitas e impor restrições às exportações. O fungo causador da murcha de Fusarium – Fusarium oxysporum f. sp. cubense (Foc), que também ocorre em 17 países da Ásia, África e Oceania, é disseminado por solo contaminado a partir de sapatos e ferramentas, mudas de bananeira (visualmente sadias, mas infectadas) e plantas ornamentais hospedeiras. Antes conhecida como mal-do-Panamá, a raça 4 Tropical ainda não chegou ao Brasil, mas está presente nos vizinhos Colômbia (identificada em 2019), Peru (2020) e Venezuela (2023). Todas essas nações fazem fronteira com o Brasil, o que deixa a bananicultura nacional em permanente estado de atenção e com risco iminente da entrada dessa raça em solo brasileiro. A BRS Princesa e a BRS Platina e diploides melhorados (parentes ancestrais das variedades atuais e que são utilizados no melhoramento da espécie) passaram por testes na Corporação Colombiana de Pesquisa Agropecuária (AgroSavia). Elas ficaram ao lado de bananeiras Williams, cultivares-testemunhas altamente suscetíveis do grupo Cavendish (Nanica), que é a variedade mais consumida globalmente. O experimento se deu em um lugar bastante representativo: a primeira fazenda em que foi identificada a raça 4 tropical em toda a Colômbia, em área cedida pelo proprietário para as pesquisas, com a vigilância do Instituto Agropecuário Colombiano (ICA). Cultivares foram testadas em áreas infectadas na Colômbia As primeiras mudas in vitro chegaram ao País em janeiro de 2022 e foram para a estação quarentenária do ICA, onde permaneceram por oito meses para confirmar a ausência de fungos, bactérias, vírus e nematoides exóticos. Depois da quarentena, foi feita a inoculação do patógeno nas plantas em casa de vegetação e, em seguida, as mudas seguiram para testes em tanques de água com solo contaminado com a doença. “Quando estavam maiores, a BRS Princesa e a BRS Platina passaram para o campo, em área que já tinha a doença”, relata Mónica Betancourt, pesquisadora sênior da AgroSavia. Ela é a responsável da Corporação no convênio com a Embrapa e a Associação de Bananicultores da Colômbia (Augura) e líder da equipe de pesquisa. A Augura também apoia financeiramente o projeto, que encontra-se em sua primeira fase (de 2021 a 2026). Betancourt explica que, na Colômbia, foram estabelecidos quatro ciclos de produção. O terceiro comprovou que menos de 1% da BRS Princesa e da BRS Platina foi afetado. De 5% a 8% significaria alto risco. “Por isso, consideramos que são resistentes”, destaca. Os testes de produtividade ainda não estão concluídos porque não é possível comparar com variedades dos mesmos tipos, uma vez que a Colômbia não planta as bananas Prata e a Maçã, que praticamente desapareceram por causa da murcha de Fusarium. Segundo a pesquisadora, também foram introduzidos diploides como base de um programa de melhoramento genético na Colômbia. “Seria uma réplica do programa da Embrapa, mas para Cavendish”, conta. De acordo com o pesquisador Edson Perito Amorim, líder do Programa de Melhoramento Genético de Banana e Plátano da Embrapa Mandioca e Fruticultura (BA), dentro da estratégia de melhoramento preventivo, a parceria com a Colômbia foi extremamente importante porque o material genético brasileiro foi testado em outro país, onde a doença está presente. Com isso, foi possível fechar o ciclo do melhoramento. “Enviamos três híbridos comerciais desenvolvidos pelo programa e eles foram 100% eficientes, sendo que um vai ser lançado em 2026”, informa. Bananeiras BRS Platina, da Embrapa, resistentes à raça 4 tropical da murcha de Fusarium a principal doença da cultura no mundo. Foto: Lea Cunha Entre o material enviado, estavam também derivados da cultivar Cavendish Grande Naine que mostraram resistência a murcha de Fusarium raça subtropical 4 no Brasil e tem potencial para também possuírem resistência à raça 4 tropical, indica Janay Almeida dos Santos-Serejo, pesquisadora da Embrapa. “Esperamos identificar ao menos um somaclone com resistência à raça 4 tropical”, revela Santos-Serejo ao dizer que os resultados devem sair no próximo ano. Somaclones são mutações naturais induzidas in vitro. “O grande desafio não é desenvolver a resistência, mas agradar ao produtor e ao consumidor, aliando qualidade, produtividade e sabor”, afirma Amorim. Ele conta que após 40 anos, foram obtidos materiais melhorados muito superiores aos do passado e lembra que o trabalho envolveu inoculação para selecionar material, uso de biotecnologia, os estudos moleculares e o conhecimento de genética de Fusarium que foi obtido pela própria Embrapa. Testes de laboratório já indicavam que as variedades poderiam ser resistentes. “Alguns marcadores moleculares para a resistência à raça 4 também apareciam nos nossos genótipos, mas só se consegue comprovar fazendo uma inoculação artificial com o patógeno”, relata o fitopatologista da Embrapa Fernando Haddad, que lidera as pesquisas com Fusarium. De acordo com ele, não foi um acaso: “Nosso programa de melhoramento sempre focou na resistência a Fusarium, desde que era liderado por Sebastião Silva com o apoio de Zilton Cordeiro [pesquisadores aposentados], mas só tivemos oportunidade de testar para a raça 4 agora”. Vigilância total “Há alguns anos, o Ministério da Agricultura priorizou essa praga no sistema de vigilância oficial [o Programa Nacional de Prevenção e Vigilância de Pragas Quarentenárias Ausentes] para evitar a sua chegada território nacional e, caso ela chegue, atuar com a maior agilidade possível para minimizar seus impactos. Esse trabalho é realizado para dar tempo para a pesquisa produzir resultados. E eles chegaram”, comemora o auditor fiscal federal Agropecuário Ricardo Hilman, gestor da Coordenação de Controle de Pragas do Departamento de Sanidade Vegetal e Insumos Agrícolas do Mapa. Apesar da resistência, o representante do Mapa alerta sobre os cuidados para evitar a doença. “O produtor não pode baixar a guarda, assim como a vigilância fitossanitária vai manter as atividades e ações preventivas. Queremos que a praga demore o máximo de tempo possível para chegar porque sempre causa algum impacto. É importante que o produtor faça a sua parte, preservando os cuidados com material de propagação, pessoas que entram na propriedade e utensílios, equipamentos, tratores usados etc.” As ações de vigilância são realizadas pelo Ministério, Superintendências Federais de Agricultura e órgãos estaduais de defesa sanitária. São ações individuais, às vezes conjuntas e às vezes complementares, que vão de normas internacionais de importação de material de propagação até a vigilância em portos, aeroportos e fronteiras, treinamentos de equipes e simulados e suporte de laboratório para detecção precoce. “Um exemplo é o sistema de levantamento fitossanitário nas possíveis áreas de ingresso do fungo, desenvolvido em conjunto com a Embrapa Territorial (SP), que reúne informações sobre possíveis rotas de chegada em função da presença nos países vizinhos, rotas de trânsito e fluxo de pessoas e importações. É um trabalho de análise de dados e de inteligência”, conta Hilman. Ministério e Embrapa estão em fase de reestruturação do plano de contingência: “Antes havia um protocolo de erradicação que seguia normas internacionais. Poderemos sugerir que os novos plantios sejam de material resistente”, completa Haddad. Planta infectada com a mancha de Fusarium R4T. Foto: Fernando Haddad. Alívio para os produtores Para Augusto Aranha, presidente da Associação dos Bananicultores do Vale do Ribeira (Abavar) e responsável pela produção de bananas da empresa Trop Sabor, a notícia vem como um alívio para os agricultores do maior polo nacional de cultivo da fruta. “No caso de uma possível chegada da R4T, talvez o Vale seja a região mais vulnerável do País, por conta da BR [116] que cruza toda a área e porque cursos d’água poderiam se tornar veículos de disseminação. Ter variedades resistentes nos dá tranquilidade de saber que, plantando a BRS Princesa e a BRS Platina, nós poderemos produzir, já que por enquanto ainda não temos oficialmente nada confirmado em relação à resistência de Cavendish [o tipo mais plantado no Vale]”, afirma. A preocupação da Abavar é proporcional à força da bananicultura na região, pois a fruta representa mais de 70% da economia local, com 30 mil hectares plantados. “A R4T é uma doença que poderia dizimar a bananicultura e causar um impacto enorme no Vale. O que se iria produzir? Além disso, áreas poderiam ser interditadas, entrar em quarentena e nem ser agricultáveis a curto prazo. Seria terrível. Apesar das variedades, não podemos abandonar a biossegurança nem a questão fitossanitária. Se a doença entrar de forma severa, que não possibilite mais a produção, até que se tenha banana das novas variedades, deve-se levar de três a cinco anos. Como existem outras regiões produtoras e se pode importar, essa janela de tempo pode afetar a economia do Vale e fazer com que perca a vocação para a fruta”, considera Aranha. Em setembro de 2020, supermercados da capital paulista receberam frutos da BRS Princesa da TropSabor para degustação. “Fizemos um trabalho de marketing em conjunto com a Embrapa para o consumidor conhecer a variedade, que ficou muito bem posicionada. Poucos perceberam diferença entre ela e a original. Além disso, se consegue comer a partir de um determinado estágio de maturação enquanto a original não na mesma coloração”, explica. Hoje, a TropSabor tem 200 hectares de banana, sendo 25 de BRS Princesa e 20 de BRS Platina. Parcerias latino-americanas para salvar as bananas Banana BRS Princesa, da Embrapa, resistente à murcha de Fusarium R4T. Foto: Edson Amorim Além da AgroSavia, a Embrapa conduz trabalhos com a Corporação Bananeira Nacional (Corbana), da Costa Rica, que investe recursos nas pesquisas com Cavendish. Amorim informa que, pela dificuldade de desenvolver sementes de Cavendish para cruzamento, o custo é alto. “Enquanto, em média, se produz uma semente para um cacho inteiro de Prata, para Nanica é uma semente para cada 500 cachos. Fazemos melhoramento de banana Prata hoje com 400 plantas na Embrapa,” detalha. Na Corbana, a empresa brasileira mantém cinco hectares de Cavendish com duas mil plantas por hectare, o que totaliza dez mil plantas. Amorim informa que a parceria com a Corbana resultou em 25 novos híbridos. Todos serão avaliados no campo quanto à qualidade dos cachos e dos frutos. Com a AgroSavia, a Embrapa desenvolveu outros três híbridos. O pesquisador conta que os materiais usados para a obtenção dos híbridos são resistentes à raça 4 tropical da murcha de Fusarium. “Com isso, é possível que alguns desses híbridos desenvolvidos de Cavendish também possuam resistência a essa terrível doença. Esperamos ter essa resposta em breve”, conta o cientista. No Brasil, a avaliação agronômica da nova variedade do tipo Prata a ser lançada em 2026 acontece no norte de Minas Gerais, outra grande região produtora, e é liderada por Haddad, com participação de Leandro Rocha e Alberto Vilarinhos, respectivamente analista e pesquisador da Embrapa Mandioca e Fruticultura. O trabalho é realizado em parceria com os grupos Brasnica, Borborema, Loschi e Marcos Ribeiro, o que otimiza os ajustes pós-colheita, em especial a climatização de uma nova variedade, e acelera a validação comercial. BRS Princesa na Ceagesp “Apesar de o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) não classificar a produção brasileira de banana por variedade, estima-se que 55% seja de banana Prata e 10% do tipo Maçã”, comenta Amorim. Na Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp), a maior rede de entrepostos brasileiros, poucos distribuidores especificam a variedade nas notas fiscais. “Ela aparece como banana Maçã, mas praticamente é tudo BRS Princesa”, afirma Gabriel Bitencourt, chefe da seção do Centro de Qualidade Hortigranjeira da Ceagesp. Alinhamento ao ODS O Programa de Melhoramento Genético de Banana e Plátano da Embrapa está alinhado ao compromisso da Embrapa com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), agenda mundial adotada durante a Cúpula das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável, em 2015, com a missão de construir e implementar políticas públicas que visam guiar a humanidade até 2030 (Agenda 2030). Atende, inicialmente, ao Objetivo número 2 “Fome zero e agricultura sustentável”, que consiste em erradicar a fome, alcançar a segurança alimentar, melhorar a nutrição e promover a agricultura sustentável.

Foto: Fernando Haddad

Bananeira Williams, infectada com a murcha de Fusarium R4T, ao lado da brasileira BRS Princesa saudável, à direita.

 

 

 

 

 

O Brasil é o único país das Américas preparado para enfrentar a forma mais grave da murcha de Fusarium, a raça 4 tropical (R4T). A confirmação veio de pesquisa da Embrapa realizada na Colômbia que comprovou a resistência das cultivares BRS Princesa e BRS Platina a esse patógeno. A descoberta abre caminho para o uso dessas variedades como barreiras naturais contra a disseminação da doença em escala global. Endêmica em todas as regiões produtoras de banana, a murcha de Fusarium provoca prejuízos bilionários, ao contaminar colheitas e impor restrições às exportações.

O fungo causador da murcha de Fusarium – Fusarium oxysporum f. sp. cubense (Foc),  que também ocorre em 17 países da Ásia, África e Oceania, é disseminado por solo contaminado a partir de sapatos e ferramentas, mudas de bananeira (visualmente sadias, mas infectadas) e plantas ornamentais hospedeiras. Antes conhecida como mal-do-Panamá, a raça 4 Tropical ainda não chegou ao Brasil, mas está presente nos vizinhos Colômbia (identificada em 2019), Peru (2020) e Venezuela (2023). Todas essas nações fazem fronteira com o Brasil, o que deixa a bananicultura nacional em permanente estado de atenção e com risco iminente da entrada dessa raça em solo brasileiro.

A BRS Princesa e a BRS Platina e diploides melhorados (parentes ancestrais das variedades atuais e que são utilizados no melhoramento da espécie) passaram por testes na Corporação Colombiana de Pesquisa Agropecuária (AgroSavia). Elas ficaram ao lado de bananeiras Williams, cultivares-testemunhas altamente suscetíveis do grupo Cavendish (Nanica), que é a variedade mais consumida globalmente. O experimento se deu em um lugar bastante representativo: a primeira fazenda em que foi identificada a raça 4 tropical em toda a Colômbia, em área cedida pelo proprietário para as pesquisas, com a vigilância do Instituto Agropecuário Colombiano (ICA).

Cultivares foram testadas em áreas infectadas na Colômbia

As primeiras mudas in vitro chegaram ao País em janeiro de 2022 e foram para a estação quarentenária do ICA, onde permaneceram por oito meses para confirmar a ausência de fungos, bactérias, vírus e nematoides exóticos. Depois da quarentena, foi feita a inoculação do patógeno nas plantas em casa de vegetação e, em seguida, as mudas seguiram para testes em tanques de água com solo contaminado com a doença. “Quando estavam maiores, a BRS Princesa e a BRS Platina passaram para o campo, em área que já tinha a doença”, relata Mónica Betancourt, pesquisadora sênior da AgroSavia. Ela é a responsável da Corporação no convênio com a Embrapa e a Associação de Bananicultores da Colômbia (Augura) e líder da equipe de pesquisa. A Augura também apoia financeiramente o projeto, que encontra-se em sua primeira fase (de 2021 a 2026).

Betancourt explica que, na Colômbia, foram estabelecidos quatro ciclos de produção. O terceiro comprovou que menos de 1% da BRS Princesa e da BRS Platina foi afetado. De 5% a 8% significaria alto risco. “Por isso, consideramos que são resistentes”, destaca. Os testes de produtividade ainda não estão concluídos porque não é possível comparar com variedades dos mesmos tipos, uma vez que a Colômbia não planta as bananas Prata e a Maçã, que praticamente desapareceram por causa da murcha de Fusarium. Segundo a pesquisadora, também foram introduzidos diploides como base de um programa de melhoramento genético na Colômbia. “Seria uma réplica do programa da Embrapa, mas para Cavendish”, conta.

De acordo com o pesquisador Edson Perito Amorim, líder do Programa de Melhoramento Genético de Banana e Plátano da Embrapa Mandioca e Fruticultura (BA), dentro da estratégia de melhoramento preventivo, a parceria com a Colômbia foi extremamente importante porque o material genético brasileiro foi testado em outro país, onde a doença está presente. Com isso, foi possível fechar o ciclo do melhoramento. “Enviamos três híbridos comerciais desenvolvidos pelo programa e eles foram 100% eficientes, sendo que um vai ser lançado em 2026”, informa.

Bananeiras BRS Platina, da Embrapa, resistentes à raça 4 tropical da murcha de Fusarium a principal doença da cultura no mundo. Foto: Lea Cunha

Entre o material enviado, estavam também derivados da cultivar Cavendish Grande Naine que mostraram resistência a murcha de Fusarium raça subtropical 4 no Brasil e tem potencial para também possuírem resistência à raça 4 tropical, indica Janay Almeida dos Santos-Serejo, pesquisadora da Embrapa. “Esperamos identificar ao menos um somaclone com resistência à raça 4 tropical”, revela Santos-Serejo ao dizer que os resultados devem sair no próximo ano. Somaclones são mutações naturais induzidas in vitro.

“O grande desafio não é desenvolver a resistência, mas agradar ao produtor e ao consumidor, aliando qualidade, produtividade e sabor”, afirma Amorim. Ele conta que após 40 anos, foram obtidos materiais melhorados muito superiores aos do passado e lembra que o trabalho envolveu inoculação para selecionar material, uso de biotecnologia, os estudos moleculares e o conhecimento de genética de Fusarium que foi obtido pela própria Embrapa.

Testes de laboratório já indicavam que as variedades poderiam ser resistentes. “Alguns marcadores moleculares para a resistência à raça 4 também apareciam nos nossos genótipos, mas só se consegue comprovar fazendo uma inoculação artificial com o patógeno”, relata o fitopatologista da Embrapa Fernando Haddad, que lidera as pesquisas com Fusarium. De acordo com ele, não foi um acaso: “Nosso programa de melhoramento sempre focou na resistência a Fusarium, desde que era liderado por Sebastião Silva com o apoio de Zilton Cordeiro [pesquisadores aposentados], mas só tivemos oportunidade de testar para a raça 4 agora”.

 

Vigilância total

“Há alguns anos, o Ministério da Agricultura priorizou essa praga no sistema de vigilância oficial [o Programa Nacional de Prevenção e Vigilância de Pragas Quarentenárias Ausentes] para evitar a sua chegada território nacional e, caso ela chegue, atuar com a maior agilidade possível para minimizar seus impactos. Esse trabalho é realizado para dar tempo para a pesquisa produzir resultados. E eles chegaram”, comemora o auditor fiscal federal Agropecuário Ricardo Hilman, gestor da Coordenação de Controle de Pragas do Departamento de Sanidade Vegetal e Insumos Agrícolas do Mapa.

Apesar da resistência, o representante do Mapa alerta sobre os cuidados para evitar a doença. “O produtor não pode baixar a guarda, assim como a vigilância fitossanitária vai manter as atividades e ações preventivas. Queremos que a praga demore o máximo de tempo possível para chegar porque sempre causa algum impacto. É importante que o produtor faça a sua parte, preservando os cuidados com material de propagação, pessoas que entram na propriedade e utensílios, equipamentos, tratores usados etc.”

As ações de vigilância são realizadas pelo Ministério, Superintendências Federais de Agricultura e órgãos estaduais de defesa sanitária. São ações individuais, às vezes conjuntas e às vezes complementares, que vão de normas internacionais de importação de material de propagação até a vigilância em portos, aeroportos e fronteiras, treinamentos de equipes e simulados e suporte de laboratório para detecção precoce.

“Um exemplo é o sistema de levantamento fitossanitário nas possíveis áreas de ingresso do fungo, desenvolvido em conjunto com a Embrapa Territorial (SP), que reúne informações sobre possíveis rotas de chegada em função da presença nos países vizinhos, rotas de trânsito e fluxo de pessoas e importações. É um trabalho de análise de dados e de inteligência”, conta Hilman. Ministério e Embrapa estão em fase de reestruturação do plano de contingência: “Antes havia um protocolo de erradicação que seguia normas internacionais. Poderemos sugerir que os novos plantios sejam de material resistente”, completa Haddad.

Planta infectada com a mancha de Fusarium R4T. Foto: Fernando Haddad.

 

Alívio para os produtores

Para Augusto Aranha, presidente da Associação dos Bananicultores do Vale do Ribeira (Abavar) e responsável pela produção de bananas da empresa Trop Sabor, a notícia vem como um alívio para os agricultores do maior polo nacional de cultivo da fruta. “No caso de uma possível chegada da R4T, talvez o Vale seja a região mais vulnerável do País, por conta da BR [116] que cruza toda a área e porque cursos d’água poderiam se tornar veículos de disseminação. Ter variedades resistentes nos dá tranquilidade de saber que, plantando a BRS Princesa e a BRS Platina, nós poderemos produzir, já que por enquanto ainda não temos oficialmente nada confirmado em relação à resistência de Cavendish [o tipo mais plantado no Vale]”, afirma.

A preocupação da Abavar é proporcional à força da bananicultura na região, pois a fruta representa mais de 70% da economia local, com 30 mil hectares plantados. “A R4T é uma doença que poderia dizimar a bananicultura e causar um impacto enorme no Vale. O que se iria produzir? Além disso, áreas poderiam ser interditadas, entrar em quarentena e nem ser agricultáveis a curto prazo. Seria terrível. Apesar das variedades, não podemos abandonar a biossegurança nem a questão fitossanitária. Se a doença entrar de forma severa, que não possibilite mais a produção, até que se tenha banana das novas variedades, deve-se levar de três a cinco anos. Como existem outras regiões produtoras e se pode importar, essa janela de tempo pode afetar a economia do Vale e fazer com que perca a vocação para a fruta”, considera Aranha.

Em setembro de 2020, supermercados da capital paulista receberam frutos da BRS Princesa da TropSabor para degustação. “Fizemos um trabalho de marketing em conjunto com a Embrapa para o consumidor conhecer a variedade, que ficou muito bem posicionada. Poucos perceberam diferença entre ela e a original. Além disso, se consegue comer a partir de um determinado estágio de maturação enquanto a original não na mesma coloração”, explica. Hoje, a TropSabor tem 200 hectares de banana, sendo 25 de BRS Princesa e 20 de BRS Platina.

 

Parcerias latino-americanas para salvar as bananas

Banana BRS Princesa, da Embrapa, resistente à murcha de Fusarium R4T. Foto: Edson Amorim

Além da AgroSavia, a Embrapa conduz trabalhos com a Corporação Bananeira Nacional (Corbana), da Costa Rica, que investe recursos nas pesquisas com Cavendish. Amorim informa que, pela dificuldade de desenvolver sementes de Cavendish para cruzamento, o custo é alto. “Enquanto, em média, se produz uma semente para um cacho inteiro de Prata, para Nanica é uma semente para cada 500 cachos. Fazemos melhoramento de banana Prata hoje com 400 plantas na Embrapa,” detalha.

Na Corbana, a empresa brasileira mantém cinco hectares de Cavendish com duas mil plantas por hectare, o que totaliza dez mil plantas. Amorim informa que a parceria com a Corbana resultou em 25 novos híbridos. Todos serão avaliados no campo quanto à qualidade dos cachos e dos frutos. Com a AgroSavia, a Embrapa desenvolveu outros três híbridos.

O pesquisador conta que os materiais usados para a obtenção dos híbridos são resistentes à raça 4 tropical da murcha de Fusarium. “Com isso, é possível que alguns desses híbridos desenvolvidos de Cavendish também possuam resistência a essa terrível doença. Esperamos ter essa resposta em breve”, conta o cientista.

No Brasil, a avaliação agronômica da nova variedade do tipo Prata a ser lançada em 2026 acontece no norte de Minas Gerais, outra grande região produtora, e é liderada por Haddad, com participação de Leandro Rocha e Alberto Vilarinhos, respectivamente analista e pesquisador da Embrapa Mandioca e Fruticultura. O trabalho é realizado em parceria com os grupos Brasnica, Borborema, Loschi e Marcos Ribeiro, o que otimiza os ajustes pós-colheita, em especial a climatização de uma nova variedade, e acelera a validação comercial.

 

 

BRS Princesa na Ceagesp

“Apesar de o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) não classificar a produção brasileira de banana por variedade, estima-se que 55% seja de banana Prata e 10% do tipo Maçã”, comenta Amorim. Na Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp), a maior rede de entrepostos brasileiros, poucos distribuidores especificam a variedade nas notas fiscais. “Ela aparece como banana Maçã, mas praticamente é tudo BRS Princesa”, afirma Gabriel Bitencourt, chefe da seção do Centro de Qualidade Hortigranjeira da Ceagesp.

 

Alinhamento ao ODS

O Programa de Melhoramento Genético de Banana e Plátano da Embrapa está alinhado ao compromisso da Embrapa com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), agenda mundial adotada durante a Cúpula das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável, em 2015, com a missão de construir e implementar políticas públicas que visam guiar a humanidade até 2030 (Agenda 2030). Atende, inicialmente, ao Objetivo número 2 “Fome zero e agricultura sustentável”, que consiste em erradicar a fome, alcançar a segurança alimentar, melhorar a nutrição e promover a agricultura sustentável.

Léa Cunha (MTb 1.633/BA)
Embrapa Mandioca e Fruticultura

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Fonte: Norte Agropecuário