Pesquisadores da USP testam novo método para combater transmissão de dengue, zika e chikungunya

Pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP) estão testando um novo método para combater a transmissão de arboviroses, como dengue, zika e chikungunya. “Controlar o mosquito é difícil devido a abundância de criadouros e ao aumento da resistência a inseticidas nas populações de vetores. Queremos controlar a transmissão da doença por meio do mosquito Aedes aegypti geneticamente modificado, que, em contato com o vírus, tem morte celular”, diz a bioquímica Margareth Capurro, professora do Departamento de Parasitologia do ICB-USP e coordenadora da pesquisa. “A ideia não é fazer a supressão total da população desse mosquito, mas apenas daqueles infectados”.

 

Os primeiros resultados do estudo, focados em dengue tipo 2, acabam de ser publicados em artigo na revista Nature. “Nosso artigo mostra que a infecção viral pode ser usada para induzir a apoptose [morte celular] dos mosquitos transgênicos infectados. Trata-se de uma prova de conceito da potencialidade do estudo, que, entretanto, precisa ser aprimorado”, relata Capurro “Até agora conseguimos eliminar, por meio da replicação viral, cerca de trinta por cento das fêmeas infectadas, mas estamos trabalhando para que esse número atinja cem por cento”.

 

A pesquisa começou em 2008, no ICB-USP. “Nessa época, nossa equipe trabalhava com diferentes construções de genes, principalmente para combater a malária. Sabíamos que se bloqueássemos noventa e nove por cento do parasita dentro do mosquito, este um por cento restante continuaria transmitindo a doença. Então veio a ideia: será que a gente não consegue fazer um modelo em que o mosquito morre ao ficar infectado?”, lembra Capurro.

 

Para chegar a esse estágio descrito no artigo da Nature, a equipe do estudo desenvolveu uma proteína quimérica que utiliza o sistema de replicação viral e ativa a mortalidade celular nos mosquitos. “Nossa meta era descobrir de que forma poderíamos ativar o mecanismo de mortalidade celular no decorrer desse processo”, conta a pesquisadora.

 

Como se sabe, o vírus da dengue é composto por um filamento único de ácido ribonucleico (RNA). “O RNA entra inteiro na célula hospedeira e produz uma poli proteína. Esta, para ser processada, utiliza enzimas (proteases) da célula hospedeira para liberar pedaços do vírus e assim montar a partícula viral. Nesse processo, ocorre a formação do complexo N2B/NS3, que é uma protease específica do vírus. Ela é responsável pela clivagem da proteína capsídeo, que é importante na estrutura final da partícula viral”, diz a especialista.

 

O próximo passo foi utilizar o sítio de clivagem da N2B/NS3 na construção da proteína quimérica. Desta forma, ao entrar em contato com as partículas virais, o sistema de replicação viral reconhece o sítio de clivagem da poliproteína da dengue, assim como a proteína quimérica. Esse processo resulta na liberação da proteína Michelob-x (Mx). “A protease viral N2B/NS3 desencadeou a morte das células do mosquito infectado ao liberar no citoplasma a proteína Mx, que é ativada pela presença do vírus da dengue tipo 2”, prossegue Capurro. “A consequência da liberação da Mx é ativação da cascata de morte celular programada”.

 

De acordo com a especialista, o artigo publicado na revista Nature mostra que é possível criar um Aedes aegypti transgênico que carrega a forma inativa do Mx. “No caso, o Mx, gatilho que leva à morte celular, será ativado apenas na presença do vírus da dengue tipo 2”, afirma Capurro. “Nossa cepa transgênica exibiu uma taxa de mortalidade significativamente maior que o controle não transgênico infectado pelo vírus da dengue tipo 2”.

 

Com a morte dos Aedes aegypti infectados, sobram os mosquitos que não carregam o vírus e, portanto, não vão transmitir a doença. “O Aedes aegypti seria então apenas uma praga urbana, como pernilongo ou borrachudo. Ele vai trazer incômodos, como picadas, mas nada além disso”.  

 

Outra vantagem é poder combater todas as formas de transmissão do vírus. “A forma mais comum é quando as fêmeas de Aedes aegypti picam os humanos e provocam a doença, mas essa não é a única maneira de espalhar o vírus”, diz Capurro. “Entre os mosquitos, há a transmissão vertical, que acontece de mãe para filho, e a larva, seja macho ou fêmea, nasce com o vírus. E também entre eles existe a transmissão venérea, quando o macho inocula o vírus na fêmea durante a cópula. Queremos eliminar todas essas possibilidades”.

 

Atualmente, o projeto se debruça sobre o desenvolvimento de linhagens transgênicas de Aedes aegypti relativas a outras arboviroses. A lista inclui dengue tipos 1,3 e 4, além de febre amarela, zika e chikungunya. Como aponta o artigo, doenças arbovirais provocam a morte de centenas de milhares de pessoas por ano no mundo e afetam, econômica e socialmente, milhões de indivíduos. “Isso enfatiza a necessidade urgente de abordagens inovadores para suprimir a transmissão de arbovírus pelo Aedes aegypti”, aponta a pesquisadora. “Em nossa pesquisa pretendemos produzir linhagens de mosquitos que possam ser utilizadas para se espalhar naturalmente e assim erradicar a transmissão das arboviroses urbanas”, finaliza. 

Fonte: Tocantins Rural