Cacique denunciou na semana passada, pedindo providências das autoridades, como Funai e Ibama. Os indígenas dizem que há anos denunciam a contaminação. Na imagem acima plantações no entorno da aldeia Kâkaka (Foto cedida por Ricardo Nogueli).
O povo Xerente da aldeia Kâkaka, localizada na divisa do município de Tocantínia com Pedro Afonso, em Tocantins, está há onze dias sem água potável e sem poder pescar devido à contaminação da água do rio Gorgulho por agrotóxico da produção do agronegócio no estado. A aldeia fica localizada na Terra Indígena Xerente. Segundo os Xerente, a aldeia fica a apenas um quilômetro de plantações de monocultura de cana e soja, fora da terra indígena, como se atesta em fotos e vídeo enviados para a Amazônia Real.
O cacique Ranulfo Cursino Xerente, conhecido como Neca, divulgou um vídeo semana passada denunciando a contaminação às autoridades publicado pelo Instituto Indígena de Tocantins (Indtins) nas redes sociais. A organização indigena pede providências do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). Na imprensa de Tocantins, a denúncia foi publicada primeiramente pelo site Gazeta do Cerrado.
“Eu queria que vocês [órgãos] fizessem o favor de vir o mais rápido possível tomar providência, eu estou pedindo ajuda, porque se não tomar providência aqui, o pessoal de perto de nós, a Funai, eu vou ter que comunicar Brasília, porque a gente tá precisando e a gente não está tendo esses apoios, da fiscalização nessa divisa da reserva com esse veneno brabo aí que está causando a morte dos peixes e até do ser humano”, diz o Cacique Neca no vídeo encaminhado ao Indtins.
Procurado pela Amazônia Real, o cacique Neca, morador na aldeia há 37 anos, contou que a vida de quatro famílias que vivem na aldeia e dos ribeirinhos estão em risco. Ele disse que a aldeia não possui saneamento básico, energia elétrica, nem poço artesiano, dependendo inteiramente da água do rio para seu sustento e sobrevivência.
“Tudo depende dessa água, mora todo mundo perto. Fora aqui, tem os demais, né? Os vizinhos também, que não são indígenas. Mas a preocupação da gente é com todos”, relata. “Meus filhos, meus netos dependem de onde eu pegava o peixinho para se alimentar e hoje nós não temos mais esse peixe”, disse à agência.
Em ofício da Coordenação Regional Araguaia Tocantins, da Funai, o coordenador regional substituto do órgão, Marcus Vinicius Aniszewski e Silva, diz “que vem ocorrendo mortandade de peixe, que a água do córrego Gorgulho está imprópria para consumo humano, para os animais domésticos e silvestres”.
O cacique Neca relatou à Amazônia Real que uma área de plantação de soja e cana está a um quilômetro da Terra Indígena, e muito próxima dos cursos d´água, especialmente o rio Gorgulho. Ele não soube dizer de qual propriedade a contaminação veio.
“É próxima demais, não tem reservatório para segurar a água para o veneno dissolver na terra. Nós temos mais outras aldeias que ficam próximas dessa ‘cana’ que estão jogando veneno e a gente vem sentindo esses problemas”, explica ao dizer que a plantação abrange uns 29 quilômetros de uma área desmatada.
No ofício da Funai encaminhado ao Ibama, ao Instituto Natureza do Tocantins (Naturatins), órgão do governo de Tocantins, e ao Ministério Público Federal (MPF-TO), a área afetada foi descrita como “abaixo do Proceder III”. Conforme apuração da Amazônia Real na internet, o “Proceder” é um “Programa de Cooperação Nipo-Brasileira para o Desenvolvimento dos Cerrados, negociado entre o Brasil e Japão para produção de grãos”. A reportagem não encontrou contatos dos responsáveis pelo programa.
Apesar da Terra Indígena Xerente ser homologada, os indígenas de outra aldeia do território, a São José, denunciam as contaminações há 10 anos. Em 2014, eles já haviam alertado sobre as irregularidades das plantações de grãos nas extremidades da demarcação. A liderança indígena da aldeia, Eliete Xerente, disse à Amazônia Real que o agrotóxico se dispersa na divisa entre as plantações do agronegócio e alcança a terra indígena.
“Esses fazendeiros que vêm plantando soja jogam veneno, que ‘bate’ nas aldeias. Morrem muitas criações, morre galinha e até nós mesmo que somos hipertensos. Passamos mal, porque ela [fumaça de agrotóxico] vem no ar, vem despejado com avião, então o vento carrega e acontecem as consequências que eles vem fazendo ao redor das aldeias”, explica Eliete Xerente, que é artesã e assistente administrativa do Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) de Palmas (TO).
Fonte: Amazônia Real