Embora a tecnologia de congelamento de embriões exista desde a década de 1980, preservar um óvulo não fertilizado era um desafio técnico que a maioria dos cientistas não achava que valesse a pena resolver. No final da década de 1990, entretanto, pesquisadores de todo o mundo encontraram uma maneira de congelar e descongelar óvulos sem danificá-los.
No início dos anos 2000, médicos de fertilidade nos Estados Unidos realizaram ensaios clínicos para replicar o método. Até 2012, havia forte evidência de que o procedimento levou a taxas de fertilização e gravidez semelhantes às da fertilização in vitro, convencendo a Sociedade Americana de Medicina Reprodutiva a parar de considerá-lo um “procedimento experimental”.
Sem esse rótulo, as seguradoras poderiam cobrir o procedimento, abrindo caminho para dezenas de milhares de mulheres prolongarem sua fertilidade congelando seus óvulos. Quase 20% das empresas americanas com mais de 20 mil funcionários oferecem cobertura para congelamento de óvulos, contra 6% em 2015, segundo uma pesquisa nacional da Mercer, empresa de consultoria de benefícios corporativos.
Embora o congelamento de óvulos tenha se tornado mais popular na última década, o processo pode parecer intenso e exaustivo. Aqui está o que você precisa saber.
O que é o congelamento de óvulos?
As mulheres geralmente nascem com cerca de um milhão de óvulos, número que diminui constantemente com a idade. A criopreservação de oócitos, termo técnico para congelamento de óvulos, é o procedimento pelo qual os óvulos são colhidos, congelados e armazenados para uso posterior.
Ao se preparar para a coleta de óvulos, as pacientes tomam hormônios para estimular os ovários, levando-os a desenvolver múltiplos folículos (sacos com líquido que abrigam um óvulo). Quando os folículos atingirem um determinado tamanho, um especialista em fertilidade retirará os óvulos, congelando apenas aqueles que estão prontos para ser fertilizados. Todo o processo dura cerca de duas semanas.
Como é o processo?
Primeiro, os especialistas em fertilidade realizam um exame de sangue para avaliar o suprimento atual de óvulos da paciente. Eles também podem fazer um exame de ultrassom para medir os folículos e garantir que os ovários possam ser facilmente alcançados durante a coleta dos óvulos.
Alguns médicos podem orientar a paciente a tomar anticoncepcionais hormonais antes de iniciar a medicação para fertilidade, para aumentar as chances de que os folículos cresçam juntos, aproximadamente no mesmo tamanho e ritmo. Os centros de fertilidade tendem a ter suas próprias preferências e políticas de controle de natalidade, disse a doutora Mindy Christianson, diretora-médica do Centro de Fertilidade Johns Hopkins.
As mulheres submetidas ao processo de congelamento de óvulos injetam-se com medicação hormonal uma ou duas vezes por dia. Essas injeções, administradas durante cerca de oito a dez dias, estimulam o crescimento dos folículos.
As pacientes visitam o consultório médico a cada poucos dias para medir esses folículos e testar os níveis de estrogênio. Quanto maior for um folículo, maior a probabilidade de conter um óvulo maduro, disse a doutora Amanda Adeleye, endocrinologista reprodutiva e professora-assistente da Universidade de Chicago. Embora uma mulher possa ter milhares de óvulos, “a maioria deles não responde à medicação”, disse ela.
Cerca de uma semana após o início do processo, as pacientes tomam medicamentos que bloqueiam a ovulação, para que os óvulos não sejam liberados antes que possam ser recuperados. Então, quando os folículos atingem um certo tamanho, as pacientes dão a si mesmas uma injeção “tiro de gatilho”, que libera os óvulos em preparação para sua coleta, disse o doutor Elliot Richards, diretor de endocrinologia reprodutiva e pesquisa de infertilidade na Clínica Cleveland.
Cerca de 35 horas após o tiro de gatilho, os médicos realizam a coleta de óvulos, drenando cada folículo inserindo uma pequena agulha na parede vaginal e manobrando-a dentro do ovário.
O procedimento normalmente leva entre 15 e 30 minutos, disse a doutora Rachel Ashby, diretora do Programa de Doadoras de Óvulos e Portadoras Gestacionais do Brigham and Women’s Hospital. E a paciente geralmente fica sedada o tempo todo: “Ela não sente nada nem se lembra de nada”, disse a doutora Christianson.
Nesse dia, os médicos podem determinar quantos óvulos foram recuperados. A paciente média com menos de 38 anos pode recuperar de 10 a 20 por ciclo, mas esse número varia dependendo do suprimento individual de óvulos e da resposta ovariana à medicação.
Apenas os óvulos maduros são congelados, por meio de um processo chamado vitrificação: um tipo de congelamento rápido no qual os óvulos são banhados em nitrogênio líquido para evitar a formação de cristais de gelo, que poderiam danificá-los. Então, os óvulos podem ser mantidos no centro onde foram vitrificados ou enviados para outro local para armazenamento em longo prazo.
Quais são os riscos do congelamento de óvulos?
Como acontece com qualquer procedimento médico, o congelamento de óvulos apresenta efeitos colaterais e riscos. A medicação que estimula os ovários pode aumentar o nível de estrogênio de uma mulher 10 a 20 vezes em relação a um ciclo menstrual regular, disse a doutora Christianson.
Algumas pacientes experimentam alterações de humor em consequência dos níveis de estrogênio acima do normal. E elas podem se sentir inchadas à medida que os ovários aumentam devido ao crescimento de múltiplos folículos.
Se a paciente tiver histórico de coágulos sanguíneos, os médicos podem recomendar um anticoagulante enquanto ela recebe a medicação.
Alguns dias antes da coleta dos óvulos, muitas pacientes sentem desconforto. “Elas não vão se sentir ótimas”, disse o doutor Richards. “Não é algo trivial.”
Sangramento e infecção são riscos da retirada de óvulos, mas complicações como essas não são comuns, acrescentou ele.
Devido à anestesia usada durante o processo de coleta, algumas pessoas podem sentir náuseas e vômitos, que serão tratados com medicamentos, disse a doutora Ashby. As pacientes também podem sentir dor abdominal após a recuperação, que geralmente é controlada com ibuprofeno ou Tylenol, disse a doutora Adeleye, acrescentando que as pacientes devem tirar um dia de folga do trabalho.
Em casos raros, as mulheres podem desenvolver síndrome de hiperestimulação ovariana grave, uma reação adversa a medicamentos hormonais que estimulam a produção de óvulos. Os ovários incham, fazendo com que pequenos vasos sanguíneos vazem fluido, que pode se acumular no abdômen ou, mais raramente, ao redor dos pulmões. Os sintomas –que incluem inchaço, náusea e dificuldade para urinar e respirar– ocorrem com mais frequência três a cinco dias após o procedimento, disse a doutora Adeleye.
A condição ocorre em aproximadamente 1% das mulheres que se submetem ao congelamento de óvulos e é mais comum naquelas com síndrome dos ovários policísticos, porque a SOP pode aumentar o risco de desenvolver muitos folículos, o que, por sua vez, pode causar a síndrome de hiperestimulação ovariana, disse a doutora Christianson.
As mulheres que congelam seus óvulos em idades mais jovens, por volta dos 20 anos, também correm mais risco, disse a doutora Christianson, porque maiores quantidades de óvulos são um fator de risco para hiperestimulação. Quanto mais óvulos uma mulher tiver, maior a chance de que a medicação que ela tomar antes da coleta de óvulos estimule um grande número de folículos ovarianos.
Os médicos podem monitorar cuidadosamente as pacientes e reduzir os riscos da síndrome de hiperestimulação ovariana, mas qualquer pessoa que considere o congelamento de óvulos deve ser informada sobre o risco da condição, disse a doutora Christianson.
Quanto custa o congelamento de óvulos?
Os custos variam entre os centros de fertilidade, mas, em geral, um único ciclo de congelamento de óvulos, incluindo monitoramento por ultrassom e supervisão médica, pode custar cerca de US$ 4.500 a US$ 8.000 (R$ 22.900 a R$ 40.700), disse a doutora Christianson. As pacientes normalmente completam um ou dois ciclos, acrescentou ela. A cobertura do seguro pode variar dependendo do tipo de plano de saúde da paciente.
A medicação injetável, separadamente, custa entre US$ 4.000 e US$ 6.000 (R$ 20.360 a R$ 30.540) por ciclo, disse ela, dependendo de quanto medicamento a paciente precisa.
Armazenar os óvulos tem um custo adicional, que pode chegar a mais de US$ 500 (R$ 2.500) por ano.
Quem é candidata ao congelamento de óvulos?
O congelamento de óvulos não é mais um tratamento experimental, mas também não é uma panaceia para a fertilidade. Um estudo com mais de 500 mulheres, publicado no verão de 2022, descobriu que a probabilidade geral de nascimentos de óvulos congelados era de 39%. As descobertas também sugerem que a idade e a quantidade de óvulos contribuem para as taxas de sucesso: se uma mulher tinha menos de 38 anos ou descongelou mais de 20 óvulos, suas chances aumentavam significativamente. Diretrizes do Colégio Americano de Obstetras e Ginecologistas afirmam que não há pesquisas suficientes para apoiar o congelamento de óvulos apenas para adiar o nascimento de um filho.
Alguns especialistas, no entanto, disseram que qualquer pessoa em risco de infertilidade relacionada à idade pode ser candidata. Outras pessoas que podem procurar o procedimento são aquelas que estão prestes a se submeter à quimioterapia, o que pode afetar os ovários, ou pessoas que se identificam como transgênero ou não-binárias e estão considerando hormônios de afirmação de gênero, disse a doutora Adeleye.
“Os óvulos que recuperamos hoje, tecnologicamente, são a melhor maneira que temos de preservar sua fertilidade”, disse a doutora Ashby. “Mas só saberemos se esses óvulos funcionarão quando elas os usarem.”
Traduzido por Luiz Roberto M. Gonçalves